As controvérsias da concessão de Parques Nacionais no Brasil
Em fevereiro deste ano, o Parque da Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso, foi concedido à iniciativa privada. O leilão da unidade de conservação ocorreu na Bolsa de Valores de São Paulo. O consórcio “Parques FIP em Infraestrutura” arrematou a reserva por R$ 926 mil e poderá explorar o local por 30 anos.
De acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Parque Nacional dos Guimarães abriga uma rica diversidade biológica, com aproximadamente 659 espécies de vegetais, 44 de peixes, 242 de aves e 76 de mamíferos. Além disso, o parque apresenta 10 diferentes tipos de vegetação de Cerrado, que incluem formações desérticas e marinhas. No ano de 2022, a reserva ambiental recebeu a visita de cerca de 132 mil pessoas.
O leilão do Parque da Chapada dos Guimarães, uma área de 32 mil hectares no coração do Cerrado, é mais uma peça num debate que cresce no país: a exploração de áreas ambientais pela iniciativa privada. Os parques urbanos e unidades de conservação foram incluídos no Programa de Parceria de Investimentos (PPI), que dá direito à concessão, permissão, arrendamento, autorização ou parceria público-privada pelo Decreto federal 11.498/2023. Parte da oposição de esquerda acusa o governo de privatizar florestas e entregar recursos para a iniciativa privada.
Outro ponto de polêmica é o valor do leilão da reserva ambiental. O Parque Nacional de Jericoacoara, que tem um quarto da área do parque da Chapada dos Guimarães, foi leiloado uma semana antes por R$ 61 milhões.
Monopólio na concessão de áreas naturais
O Parques FIP administra também outras áreas de conservação, como a Chapada dos Veadeiros, em Goiás, e o Parque Caminho do Mar, em São Paulo. No caso da Chapada dos Guimarães, a empresa concessionária deverá investir R$ 218 milhões no local ao longo dos 30 anos de acordo com o edital da licitação. Em 2022 o mesmo grupo havia arrematado a área por R$ 1 milhão, mas o Tribunal de Contas da União (TCU) suspendeu a concessão a pedido do governo do Mato Grosso, que apontou irregularidades no edital feito pelo ICMBio.
Em entrevista ao jornal Gazeta em 2023, o CEO da Parquetur - filial do Parques FIP - informou que o ingresso do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães no primeiro ano teria um teto de R$ 30, podendo chegar a R$ 100 a partir do quinto ano de vigência, conforme antigo edital.
Formado em Economia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e mestrando em em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Wallace Borges ressalta que, embora inicialmente o valor de R$ 30 pareça baixo, é necessário avaliá-lo em relação à média do mercado. Ele também enfatiza a necessidade de compreender os mecanismos por trás do aumento: “É bom entender como funciona esse aumento e quanto o governo ganha desse lucro”.
Para o economista, há muitas formas de explorar a área, e o valor do ingresso do parque é relevante, mas não é central. De acordo com ele, uma reserva ambiental desempenha uma função no ecossistema e a prioridade deveria ser deixar pesquisadores explorarem a área: “Biólogo, geógrafo, esses pesquisadores que devem estar ali, a finalidade não é o turista bebendo cerveja e tirando foto pro instagram”.
Doutor em Biotecnologia Vegetal pela Universidade Federal do Rio Janeiro (UFRJ) e University of Ottawa/Canadá, Marco Rocha entende que o poder público consegue assegurar ao povo brasileiro alguma soberania sobre os recursos ambientais. Isso é alcançado ao controlar o acesso a essa riqueza biológica única, o que ajuda a evitar a exploração ilegal dos recursos naturais e a prática da biopirataria.
Wallace afirma que, como a reserva é concessionada de maneira privada, há risco de pesquisadores de fora do país explorarem a área e descobrirem ervas medicinais e remédios, e assim registrarem patentes fora do país. “O mais importante é preservar e assegurar a soberania do país nessas reservas”.
‘Financeirização do meio ambiente’
A concessão de reservas ambientais à iniciativa privada é apenas um dos episódios que compõem o crescente debate sobre a exploração de áreas verdes pelo setor privado. Essas concessões foram regulamentadas pelo Decreto 11.498, e para o economista Wallace Borges a ideia deste decreto é a “financeirização do meio ambiente”. O economista ainda destaca que, mais do que rotular se trata de privatização ou concessão, é fundamental considerar como essas medidas estão sendo empregadas em benefício da sociedade como um todo.
A formalização dessas parcerias, explica Marco Rocha, foi estabelecida pela lei 14.590/2023, que possibilita parcerias público-privadas e concessões de florestas públicas. No entanto, embora exigências como preservação e estratégias para redução da emissão de gases do efeito estufa sejam impostas às empresas concessionárias, Rocha ressalta que há facilidades para obter concessões, como a dispensa de estudos de impacto ambiental e relatórios correspondentes: “Fragiliza muito as ações de fiscalização sobre a área. Acho que essa lei e seus desdobramentos carecem de um debate mais amplo e com diversos setores da sociedade”.
Rocha menciona as recentes tragédias ambientais no país e defende que deveria haver regras mais rigorosas para concessões, com projetos sujeitos a auditoria e fiscalização para evitar situações descontroladas: “Não posso afirmar categoricamente que não existam empresas socioambientalmente comprometidas, mas ainda temos memórias recentes de como a Samarco, BHP e Vale agiram nas tragédias de Mariana e Brumadinho, MG”, comenta Marcos.
Comments