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Cinemas de rua perdem espaço: quando o escurinho do cinema passa para dentro dos shoppings

Atualizado: 9 de abr.

Praticidade é a justificativa de quem prefere ver filmes em shoppings; cinemas de rua oferecem opções muito além dos blockbusters


Por Rebeca Passos e Vitória Thomaz

Estação Net Botafogo, um entre os nove cinemas de rua que ainda resistem na cidade / Foto: Rebeca Passos

É noite de sexta-feira e há fila para quase tudo no Estação Net Botafogo: fila para comprar ingresso, para comprar pipoca, para ir ao banheiro, e muitos grupos de amigos se espalham pelo saguão. O público está ali para assistir ao filme “Me chame pelo seu nome (2017)”, parte da mostra Quem Quer Queer?”, realizada em junho como comemoração ao mês de orgulho LGBT em junho. O Estação Botafogo é um dos cinemas de rua que resistem no Rio - e precisa buscar estratégias para atrair e manter seu público.


O primeiro cinema de rua do Rio é de 1897: era o Salão de Novidades Paris, no Centro da Cidade. Segundo as Estatísticas do Século XX do IBGE, em 1907, só cinemas de rua eram 167. Hoje a cidade tem, segundo levantamento do Rampas, 36 cinemas, somando 212 salas, pelos dados da Ancine (Agência Nacional de Cinema). E só há nove cinemas de rua, três deles em Botafogo, na Zona Sul: o Espaço Itaú de Cinema e dois do Grupo Estação, o Estação Net Botafogo e o Estação Net Rio.


O sumiço dos cinemas de rua tem muitos motivos, da multiplicação dos shoppings à popularização do serviço de streaming, sem esquecer, é claro, a pandemia. Para entender esse fenômeno, o Rampas entrevistou 83 pessoas por meio de um questionário enviado por meio do Google Forms, de 27 a 29 de junho.


Cerca de 64% responderam que já foram a um cinema de rua, porém a grande maioria ainda prefere frequentar os cinemas localizados nos shoppings (49,4%). Entre os motivos dessa preferência, três respostas mais se repetiram: segurança, praticidade e facilidade de acesso.


Anabella Léccas, de Nova Iguaçu, tem o hábito de frequentar cinemas de rua, mas diz que sendo da Baixada é mais difícil: “Regiões como a Baixada não têm cinemas de rua, por isso, a ida ao cinema também se entrelaça com o passeio ao shopping center e a visita aos cinemas de rua acaba se tornando um passeio fora da curva para muitas pessoas”.


As respostas ao questionário do Rampas mostram que um dos fatores que colaboram para o público não frequentar os cinemas de rua é a falta de acessibilidade. Dos nove cinemas de rua ativos, um fica na Zona Norte, dois no Centro e seis na Zona Sul. Estão concentrados em uma região da cidade, o que dificulta o acesso das pessoas, enquanto os shoppings estão por todo o Rio de Janeiro. De acordo com os entrevistados, o shopping oferece comodidade para as pessoas, fazendo com que elas prefiram ir ao cinema perto de casa, ao invés de se deslocar para longe. Por mais que os cinemas de rua estejam de fácil acesso onde eles estão localizados - perto do metrô ou de pontos de ônibus - ainda assim fica difícil.


Carolina França, ex-moradora da Zona Oeste, falou sobre a dificuldade de acesso para quem mora fora dessa “bolha”: “Os cinemas de rua estão nas Zonas Sul e Central do Rio de Janeiro, zonas mais privilegiadas economicamente, o que acaba fazendo uma segregação social da cultura. Eu morei a vida inteira na Zona Oeste, e ir ao cinema era algo que nunca foi nem abordado no meu círculo social, até que eu me mudasse para a Zona Sul.”


O cinema no shopping também favorece o consumo, mostram as respostas dos participantes. O passeio ao shopping pode virar uma ida ao cinema, ou uma ida ao cinema pode virar um passeio no shopping. Os cinemas de shopping também costumam privilegiar os blockbusters hollywoodianos, e isso atrai público.


Mas ainda há quem prefira fugir da agitação dos shoppings e valorizar a calmaria dos cinemas de rua. O valor dos ingressos (mais barato que nos shoppings), a ambientação local e o clima nostálgico são os fatores que chamam atenção do público que frequenta esse tipo de estabelecimento. A ideia de ir ao cinema para apenas apreciar a arte e descobrir diferentes filmes alternativos é o que acaba agradando ao público.


Dentro do Estação Net Rio, por exemplo, há uma loja de conveniência, um local destinado à exposição de arte, uma livraria e uma locadora, a Cavídeo. Sandra Maya, de 64 anos, funcionária do cinema, é gerente da loja. Filha de pai comerciário e mãe dona de casa – cinéfila de berço, como ela diz –, na infância, assistia a festivais de Tom e Jerry e filmes do ator Jerry Lewis no comprido cinema que chamavam de “Botafoguinho”. Para ela, os cinemas de rua são uma maravilha, apesar da ascensão dos shopping centers. “Os cinemas de bairro, os cinemas de rua, são muito importantes porque é uma coisa que você pode ir a pé, não precisa de condução. Você sai de casa para ir ao cinema, você pode andar na rua, pelas lojas, mas não é a mesma coisa de estar presa dentro de um prédio como nos shoppings. Eu acho que faz falta, a gente precisa dele.”


História dos cinemas de rua

Um olhar para o passado do Rio mostra que não é à toa que a Cinelândia recebe esse nome: a praça e seus arredores um dia abrigaram alguns dos mais importantes cinemas de rua em seu auge. O local buscava ser “a Broadway Brasileira”. Na Cinelândia foi onde surgiu o “Cine Parisiense” em 1907, considerado o primeiro cinema estável do estado do Rio de Janeiro. No fim de 1907, surgiu o “Cine Pathé”, que foi fechado em 1999, e passou a ser utilizado por uma igreja evangélica. Outros cinemas de rua foram surgindo pelo local, como o Cine Palácio, Cine Plaza e Cine Vitória, dentre os anos 20, 30 e 40. Porém, foi nos anos 70 e 80 que tudo começou a mudar. Os cinemas começaram a ir para dentro dos shoppings centers, fazendo com que as salas de exibição de rua diminuíssem cada vez mais.


Na história dos cinemas de rua da Cinelândia, se tornou marcante o Cine Odeon, que surgiu em 1926. Localizado na Praça Floriano (nome oficial da Cinelândia), o lugar viveu os tempos ilustres do cinema de rua na cidade e seu prédio histórico existe até os dias de hoje, mas o espaço sofreu com crises, como o seu fechamento em junho de 2014 por tempo indeterminado em função de dívidas e da falta de manutenção no edifício e em sua estrutura. Em 2015 foi reaberto, sob o nome de “Centro Cultural Luiz Severiano Ribeiro - Cine Odeon”. O cinema também sofreu com as consequências do Covid-19 e ficou fechado durante a pandemia.

Fachada do Odeon no Passado X Nos tempos atuais / Foto: Diário do Rio e Jornal da PUC

Pertencente à rede Kinoplex, desde outubro de 2020 o Cine Odeon não conta mais com sessões diárias de filmes, passando a apenas receber grandes eventos. O estabelecimento recebe festivais de cinema como o Festival do Rio, por exemplo, que teve algumas sessões no final de 2022. E recentemente, recebeu neste ano, em 2023, sua 25ª edição do Festival. O local também recebe o Festival Internacional de Curtas do Rio de Janeiro e o Anima Mundi. No restante do ano, o espaço fica fechado.


Cinema de rua durante a pandemia

A pandemia da Covid-19 foi um período de instabilidade para a indústria cinematográfica internacionalmente. O medo daquela nova e desconhecida doença fez o público se resguardar em suas casas e fugir dos ambientes fechados. Os cinemas de rua, que já passavam por dificuldades, enfrentaram uma crise ainda pior.

Foto: Getty Images

Os cinemas do Rio foram fechados em 17 de março de 2020, quando o governo do estado do Rio de Janeiro tomou medidas para a diminuição de contágio e propagação do coronavírus. Só em setembro do mesmo ano foi autorizada a reabertura, mas ainda assim com proibição de venda de alimentos.


Sandra Maya disse que o impacto da pandemia no Estação Net em Botafogo foi muito grande. A cineasta disse que as pessoas não queriam ficar juntas numa sala, mesmo sendo de máscara, o que obrigou o estabelecimento a ficar fechado mais de um ano. O Estação Net manteve os funcionários pagos em casa, mas isso provocou uma dívida muito grande que agora está sendo saldada aos poucos.


No pós-pandemia, uma das estratégias para atrair público de volta é organizar mostras de cinema trazendo opções de filmes independentes ou clássicos do cinema, difíceis de encontrar em cinemas comerciais. Na mostra “Quem Quer Queer”, foram exibidos títulos como: “Persona (1966)”, “Tudo sobre minha mãe (1999)”, “Paris is burning (1990)” e “Sangue de um poeta (1932)”.


De portas fechadas

Cinema Roxy se encontra fechado desde junho de 2021 / Foto: Agência O Dia

Os famosos Cine Roxy e o Cine Joia, ambos em Copacabana, acabaram fechando em consequência da pandemia e do esvaziamento dos cinemas de rua. Em 2023, depois de três anos fechado, o Joia reabriu como um cine-teatro, com foco em espetáculos infantis e stand-up comedy. No dia 19 de junho, exibiu uma première do curta brasileiro “A passarela” e em suas redes sociais informou que pouco a pouco pretende voltar com as atividades do cinema.

O Roxy segue fechado desde junho de 2021. Há planos de reabertura ainda este ano, mas como uma casa de espetáculos no estilo Moulin Rouge de Paris. Moradores do bairro lançaram no Instagram o movimento 'SALVEM CINEMA ROXY', e um abaixo-assinado com o mesmo propósito já agrega mais de 20 mil assinaturas. O Roxy foi vendido aos empresários Alexandre Aciolly e Dody Sirena, que seguem com o plano de adequar o espaço ao novo modelo de negócio como uma casa de espetáculos.

Para os cinemas que fecharam, um destino foi comum: viraram lojas, sacolões, estacionamentos e igrejas - ou, na melhor das opções, uma casa de espetáculos. Por enquanto, o que resta aos moradores do Rio é torcer para que o filme dessa história não se queime e um final feliz aconteça.


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