Da repressão das ditaduras a momentos marcantes, a trajetória e o impacto de um dos maiores fotojornalistas brasileiros
Reportagem atualizada em 4 de novembro de 2024, às 18 horas.
O fotógrafo Evandro Teixeira morreu na tarde de 4 de novembro de 2024, aos 88 anos. Leia aqui como foi sua visita à Uerj em maio deste ano.
De Rainha Elizabeth II até fotos de repressão das ditaduras brasileiras e chilenas, esse é o legado de Evandro Teixeira, um dos fotojornalistas mais renomados, ecléticos e premiados do Brasil e do mundo. Nascido em Irajuba, Bahia, Teixeira carrega consigo uma bagagem impressionante de registro de eventos históricos, tanto no Brasil quanto ao redor do mundo. A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) abriu as portas do Laboratório de Fotografia para receber o próprio Teixeira, no dia 23 de maio, em uma roda de conversa. Neste encontro, o veterano fotojornalista de 88 anos compartilhou não apenas suas principais fotografias, mas também as histórias por trás de várias delas, revelando os bastidores de momentos cruciais de sua carreira.
Início da carreira e ascensão
Durante o evento, Teixeira traçou sua jornada desde os primeiros cliques em sua cidade natal, Irajuba. Evandro lembra com muito carinho da infância em sua cidade natal, que influenciou profundamente sua trajetória profissional. Aos 15 anos, mudou-se para Jequié, onde iniciou sua carreira no jornalismo local, adquirindo sua primeira câmera. Contudo, foi no Rio de Janeiro que sua carreira realmente decolou, após insistentes incentivos de colegas. No Rio, trabalhou inicialmente no Diário da Noite a partir de 1957, até se juntar ao Jornal do Brasil em 1962, onde permaneceu por mais de 40 anos. Lá, consolidou-se como uma figura incontestável do fotojornalismo brasileiro, capturando imagens icônicas como a "Passeata dos Cem Mil", "Adeus, Neruda" e várias outras.
Oportunismo e convicções
Teixeira destacou a importância da preparação e percepção do momento para capturar imagens impactantes. "A foto começa antes da foto", disse ele, enfatizando que estar atento e pronto para aproveitar oportunidades é crucial. Essa filosofia é exemplificada em sua famosa foto "Queda de motociclista da Força Aérea Brasileira (1965)", onde ele antecipou o momento da queda e se posicionou estrategicamente para capturar a cena. Ele atribui seu sucesso a uma combinação de talento, sorte e coragem para capturar momentos marcantes.
Registros da ditadura brasileira, figuras e eventos importantes
Evandro compartilhou suas experiências ao fotografar políticos, esportistas renomados e cenas da ditadura brasileira. Seus registros da vida pacata em municípios no Nordeste também foram abordados. Suas fotografias capturam de tudo, desde figuras históricas e eventos significativos ao redor do mundo, como Copas do Mundo e Olimpíadas, até a pobreza e mazelas de regiões do Brasil. Segundo o próprio, fotografou ‘’De tudo um pouco’’ durante sua carreira. Apesar da diversidade de seu portfólio, muitas de suas imagens, com o passar do tempo, foram perdidas nos arquivos do Jornal do Brasil.
De figuras históricas, Evandro possui fotos marcantes. Entre elas, a icônica "piscada de Ayrton Senna" captura um momento de descontração e carisma do lendário piloto brasileiro. Outra imagem emblemática é a fotografia "O Rei e a Rainha no Maracanã", que retrata o inesquecível encontro entre Pelé e a Rainha Elizabeth II, um evento que simboliza a grandeza do futebol brasileiro e sua reverência internacional. Já no contexto da ditadura brasileira, Evandro desempenhou um papel fundamental como resistência através de sua arte. Suas fotografias denunciaram os abusos e atrocidades cometidos durante esse período sombrio da história do Brasil, trazendo à tona a brutalidade e a repressão imposta pelo regime. As imagens capturadas por Evandro rodaram o mundo, servindo como testemunho visual dos horrores da ditadura. Essas fotografias estão entre suas obras mais conhecidas e impactantes, gerando desconforto e incômodo até mesmo entre as autoridades da época. Segundo o próprio Evandro, sua lente foi uma arma poderosa contra a opressão.
“Ele atuou muito nesse período da ditadura e pós-ditadura, da abertura. Foi um momento de muitos acontecimentos fortes, de manifestação [...]. Então são imagens que têm um valor de registro, de um acontecimento, na verdade, de um rastro. A gente pode pensar sempre a fotografia como rastro de algo que aconteceu, uma marca que ficou”, disse o Prof. Dr. Leandro Pimentel, docente do curso de Jornalismo da Uerj.
Evandro e sua ligação com o Chile
"Minha arma foi a câmera nas ditaduras", declarou Teixeira, referindo-se aos seus registros desafiadores durante a ditadura militar no Brasil e no Chile. Suas fotos da primeira manifestação contra Pinochet, líder do golpe militar chileno, dos manifestantes presos no Estádio Nacional e do emocionante adeus a Pablo Neruda — poeta, diplomata, político e vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1971 — são conhecidas mundialmente.
No evento, Teixeira compartilhou que, em registros contra governos autoritários, frequentemente enfrentava momentos de medo, chegando até a ser detido em algumas ocasiões, mas sua determinação em registrar a história sempre prevaleceu. Ele sente uma forte ligação com as lutas e histórias do povo chileno, o que o motiva a retornar frequentemente ao Chile.
Homenagens
Por conta de sua extensa e ilustre trajetória, Evandro Teixeira é constantemente homenageado. Uma das homenagens mais marcantes ocorreu em Irajuba, sua cidade natal. Durante o evento, Evandro destacou que esse reconhecimento em sua terra de origem foi um momento profundamente comovente, reafirmando seus laços afetivos com a cidade onde tudo começou.
Além do reconhecimento em Irajuba, Evandro também foi homenageado por figuras ilustres da cultura brasileira. Carlos Drummond de Andrade, um dos maiores poetas do Brasil, escreveu um poema em homenagem ao fotógrafo intitulado "Poema Diante das Fotos de Evandro Teixeira", em 1986. No poema, Drummond expressa: "É preciso que a lente mágica enriqueça a visão humana". Os dois se conheceram no Jornal do Brasil.
O professor Leandro Pimentel destaca ainda a importância de homenagear Teixeira, e reflete sobre seu legado e seus pontos positivos como profissional e sobre a figura dele ser inspiração para quem quer seguir nesta área: "Evandro tem uma trajetória inspiradora, marcada por um comportamento ético exemplar. Ele nasceu no interior do Nordeste, veio de uma região periférica e, posteriormente, se estabeleceu no Rio de Janeiro. Sua jornada reflete a de muitos alunos que também vieram de regiões periféricas em busca de oportunidades". Pimentel enfatiza que as homenagens a Teixeira não só celebram seu trabalho, mas também seu papel como inspiração para as futuras gerações de fotojornalistas.
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