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Foto do escritorGiovanna Garcia

Na Vila Olímpica da Mangueira, sonhos podem se tornar realidade

Atualizado: 3 de jul.

Centro esportivo ligado à verde e rosa impacta a vida de três mil jovens com inclusão e cidadania


Portão de entrada do Centro de Referência Esportiva Mangueira - Foto: Giovanna Garcia

Algumas risadas, várias cestas e muita brincadeira compõem o cenário na entrada do Centro de Referência Esportiva Mangueira, às três horas da tarde, em um dia de semana qualquer. Isso sem esquecer o trem que passa ao lado do complexo, mas que, curiosamente, não atrapalha as aulas ou os alunos. O espaço, com cerca de 30 mil metros quadrados, está localizado no Morro da Mangueira, na Zona Norte do Rio. A Vila Olímpica, mais do que um projeto esportivo, transforma vidas e realiza sonhos de mais de três mil alunos por meio da inclusão e da cultura. 


João Miguel, de 7 anos, mora na comunidade da Mangueira. Sua tia o levou um dia até o complexo e, desde então, ele vai diariamente para a área do LPO (levantamento de peso), uma das modalidades oferecidas. A professora Elaine Vieira é quem conta a história do menino. 


De acordo com Elaine, o acolhimento é grande, o que contribui para a “magia” da Vila: “A partir do momento que a gente se encontra, nos abraçamos e nos beijamos. Oferecemos muito carinho aqui dentro. Na maioria das vezes, não está nem na hora do treino, mas o João pede para fazer e eu deixo, porque sei que ele está aqui porque gosta e para brincar também”.


Aula de levantamento de peso infantil - Foto: Giovanna Garcia

A Vila Olímpica faz parte do Instituto Mangueira do Futuro, uma organização não governamental e sem fins lucrativos, criada em 2012 pelos responsáveis da escola de samba da região, Estação Primeira de Mangueira. O centro conta com o apoio financeiro da Prefeitura do Rio e da Petrobras. Segundo o presidente Carlos Dória, o eixo central é a democratização do acesso ao esporte e ao exercício na formação da cidadania.


O local tem pista de atletismo, campo de futebol, dois ginásios multifuncionais e uma quadra poliesportiva, além de duas piscinas, uma semiolímpica e outra para hidroginástica. O complexo também oferece uma academia completa — incluindo uma versão adaptada para a terceira idade —, um centro de lutas e um de levantamento de peso olímpico. 


Para complementar o suporte ao desenvolvimento físico e técnico dos frequentadores, o centro dispõe de uma sala de fisioterapia e outra para atendimentos clínicos e médicos. A diversidade de aulas gratuitas inclui atletismo, basquete, dança, futebol, futsal, ginástica rítmica, levantamento de peso olímpico, jiu-jitsu e natação, além de atividades especiais para pessoas com mais de 60 anos.


A “casinha” ao lado da pista de atletismo, onde ocorrem os treinos de levantamento de peso, pode parecer pequena e simples à primeira vista, mas é o lar de uma família de atletas dedicados a quebrar recordes. Elaine Vieira, que começou no complexo em 1998 como atleta e se tornou treinadora de LPO para crianças e adolescentes, explica a importância do esporte. Ela ganhou uma bolsa para cursar Educação Física por meio do projeto e já rodou diversas modalidades como professora: “O exercício, em geral, é muito importante, porque tira as crianças da rua e oferece oportunidades”.


Seu filho Bernardo Vieira, de 18 anos, que também faz parte do grupo, já competiu no Sul-Americano e agora mira a classificação para competições internacionais. O espaço que Bernardo, Elaine e João ocupam já foi palco de grandes nomes, como o de Taiane Justino, uma atleta da Mangueira que estabeleceu dez novos recordes — tanto nacionais quanto sul-americanos — durante sua participação na Copa do Mundo de levantamento de peso de Phuket, na Tailândia, em 2024.


Inclusão e independência 


Piscina de natação e hidroginástica da Mangueira - Foto: Giovanna Garcia

“A Vila Olímpica não só inclui, ela integra. Não coloca somente os alunos para fazer a atividade, mas para eles transitarem em tudo aquilo que tiverem potencial”, afirma Daniela Cavalheiro, mãe de Cecília e Valentina, ambas no espectro autista e alunas de dança e natação na Vila. Cecília, que também possui síndrome de Down, Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e Transtorno Opositor Desafiador (TOD), demonstra que é capaz de realizar diversas atividades com sucesso, contrariando as expectativas.


A mãe é uma grande defensora do Instituto Mangueira do Futuro. Ela comenta que recebeu um acolhimento excepcional: “Eu sou entusiasta, porque posso ver a diferença do esporte e da atividade física em todos os sentidos, não só no desenvolvimento da saúde, mas também na questão da inclusão”. Antes de descobrir o projeto, ela havia tentado matricular suas filhas em diversas academias particulares e todas alegaram que não tinham professores capacitados.


Às terças e quintas-feiras, as duas meninas saem da escola já animadas para participarem das atividades que são oferecidas, como as aulas de natação específicas para crianças e adolescentes PCDs. De acordo com o professor Tales Peçanha, as categorias variam conforme as potencialidades de cada aluno.


Ele diz que a natação é a porta de entrada para outros exercícios físicos, visto que é a atividade mais completa, pois trabalha o cardiorrespiratório, a coordenação, o equilíbrio, a força e a lateralidade. Além dos esportes, são oferecidas aulas de psicomotricidade — que auxilia a movimentação e a noção corporal. Caso os alunos PCDs queiram fazer outras práticas, como é o caso de Valentina e Cecília com a dança, Tales e outros professores fazem uma avaliação individual para garantir uma participação segura.


Por considerar seu trabalho prazeroso e gratificante, principalmente com a evolução das crianças, afirma que sua melhor função é ensinar: “No primeiro momento que entram, estranham muito a água, porque é um ambiente totalmente diferente. Depois de um certo período, a gente vê que elas têm prazer em fazer as aulas".


Oportunidades e futuros atletas


Maria Clara e Paulo no treino de basquete - Foto: Giovanna Garcia

As oportunidades florescem nas quadras do centro esportivo. Maria Clara Martins, que tem 16 anos e é atleta de basquete, pontua a evolução em sua carreira após participar de um curso da NBA em São Paulo, representando o Rio de Janeiro. Ela foi selecionada pelo treinador Paulo Vieira e viajou pela primeira vez de avião para participar do curso em 2023: “Fiquei em êxtase com a oportunidade, aprendi muita coisa que lembro até hoje e sinto que voltei com outra mente”. Ela destaca que na época era considerada uma iniciante, mas agora aplica tudo que evoluiu no esporte.


Maria Clara era a única menina quando começou a jogar em um ginásio perto da sua casa, em Jacarepaguá, no ano de 2018: “Meu treinador falava que eu tinha que vir para a Mangueira, só que eu tinha medo porque aqui tem atletas muito boas. Agora, pude conhecer várias da seleção brasileira”, compartilha.


Após se formar na escola, Maria quer cursar Educação Física e seguir no ramo do esporte. Segundo ela, o que realmente deseja fazer é jogar, mas confessa que sabe das dificuldades que o basquete enfrenta no Brasil: “Eu sei como o esporte é desvalorizado, mas espero me tornar treinadora ou jogadora”.


Paulo Vieira, professor das equipes femininas de basquete do Instituto, completou 18 anos trabalhando com as meninas da Mangueira em 2024. Ele conta que iniciou como estagiário e se tornou treinador de basquete em 2009. Hoje em dia, não se imagina saindo da Vila Olímpica tão cedo: “As meninas que jogam basquete aqui têm uma sinergia e um entrosamento diferente com o técnico. Então, a gente acaba criando um vínculo maior e por isso eu nunca saí daqui”.


O projeto participa de competições estaduais e federais de basquete desde 1993. Em 2024, vão competir no Campeonato Brasileiro e em três estaduais entre adultos. As aulas do feminino começam a partir dos sete anos e duram de dois a três anos, com o objetivo de aprender a jogar. A partir dos 11, as crianças começam a competir e só param quando se tornam atletas mundiais. Não faltam exemplos de nomes que jogam ou jogaram internacionalmente.


Raphaella Monteiro, “cria” da Mangueira e ex-aluna de Paulo, já passou pelo América, Ituano, Sampaio Corrêa, Sport e Uninassau. Além dos clubes e da LBF (Liga de Basquete Feminino), atuou na Europa defendendo o União Sportiva, de Portugal. Tayná Silva, atleta da seleção feminina, também foi revelada pela Mangueira: “Muitas alunas estão em universidades americanas ou jogando por times europeus. Ano passado, tiveram cinco atletas que competiram pela equipe do Brasil e que eram daqui. Elas atuam em diversos lugares: Eslovênia, Estados Unidos, Japão, Portugal e Rússia”.


A ginástica rítmica (GR) da Vila Olímpica da Mangueira também é um destaque. A aluna Aghata Jaine, de 19 anos, treina há 14 e cresceu no projeto. A experiência a inspirou no sonho de se envolver com iniciativas semelhantes no futuro: “Estar aqui é muito importante para mim, foi o lugar onde cresci e que considero meu lar. Ele não propõe apenas ginástica rítmica, mas também amizade e sabedoria. Além de ser o responsável pelo meu maior sonho: conseguir me formar em Educação Física e dar aula em projetos sociais para crianças”, conclui.


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