Recifes localizados em Pernambuco e Sergipe já sofrem os efeitos do fenômeno
Ele nasce com uma cor vibrante, mas com o tempo, perde coloração e vai se tornando pálido, branco, sem vida. Esta descrição poderia se referir a um fio de cabelo, mas aqui diz respeito aos corais, animais marinhos primitivos que funcionam como uma espécie de alerta para poluição e aumento de temperatura. E as mudanças climáticas intensificadas pela ação humana estão acelerando o processo conhecido como branqueamento de corais: em março, a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA, sigla em inglês), dos Estados Unidos, avisou que a quarta onda de branqueamento de corais está em curso. A última, ocorrida entre 2014 e 2017, dizimou 15% dos recifes do planeta.
O branqueamento acontece quando as algas que vivem dentro do tecido dos corais são expulsas devido, principalmente, ao aumento da temperatura dos oceanos. Algas e corais passam a competir entre si por nutrientes e acabam se separando. E o término da relação vai muito além da perda da coloração proporcionada pelas algas. Segundo Raquel Peixoto, professora de biologia da King Abdullah University of Science and Technology (Kaust) da Arábia Saudita, as algas fornecem, através da fotossíntese, até 80% da energia consumida pelos corais. Sem energia e sem cor, os corais definham, ficam com o esqueleto à mostra, à beira da morte.
A perda dos recifes de corais, como são chamados os agrupamentos desses animais, representa grande prejuízo tanto para o ecossistema marinho quanto para os seres humanos. De acordo com Peixoto, 30% de todas as espécies marinhas dependem dos recifes para alimentação, reprodução e moradia. Além disso, eles contribuem para reduzir os impactos dos vendavais: “Os recifes de corais protegem a linha da costa contra tempestades, contra ondas. Toda aquela energia no mar que forma as ondas se dissipa quando encontra uma barreira 3D. Quando ela chega na costa, já não vem com tanta força”, explica a pesquisadora da universidade saudita.
Alguns recifes brasileiros localizados em Tamandaré, em Pernambuco, e no Sergipe apresentaram sinais de branqueamento. Eles são monitorados pelo Centro de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste (Cepene), órgão vinculado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Segundo o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, os recifes do país se dividem ao longo de 3 mil quilômetros da costa, do Maranhão à Bahia. Atualmente, há 21 parques e unidades de conservação de corais, todos localizados no Nordeste.
Interferência humana no branqueamento dos corais
O aquecimento dos oceanos, principal causa do branqueamento dos corais, é resultado da liberação dos gases de efeito estufa principalmente pela queima de combustíveis fósseis, conforme explica David Zee, professor adjunto da Faculdade de Oceanografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj): “Os gases do efeito estufa transformam a luz solar em calor e o absorvem, aumentando a temperatura da atmosfera. Para reequilibrar, o planeta transfere esse calor para o mar. É uma sucessão de transferência de energia: o calor em excesso na atmosfera é transferido parcialmente para o mar, que absorve esse calor para resfriar o ar.”
O principal gás do efeito estufa é o gás carbônico, gerado a partir da combustão do petróleo. Porém, o pesquisador ressaltou a influência de outros gases prejudiciais, como o metano, produzido a partir da decomposição de matéria orgânica - como alimentos - nos lixões, o dióxido de enxofre, liberado das refinarias de petróleo. Esses gases vão para a atmosfera e destroem a camada de ozônio, permitindo que a luz solar incida com mais força sobre a superfície terrestre.
Outro fenômeno que contribui para o branqueamento dos corais é a acidificação dos oceanos. O gás carbônico é carregado pelo vento e interage com a água, criando ácido carbônico, tornando os oceanos mais ácidos, fragilizando os corais.
Esforços para redução da temperatura do planeta devem ser imediatos
Segundo relatório publicado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês), o planeta ficou 1,1º C mais quente entre 2011 - 2020, marca maior do que a registrada no período 1850 - 1900. Ou seja, a temperatura subiu mais em dez anos do que em meio século. O relatório também revela que o aumento chegará a 1,5º C na primeira metade da década de 2030. Raquel Peixoto afirma que quase todos os recifes morrerão caso a temperatura continue subindo: “Se for até 1,5º C, a gente talvez consiga salvar entre 30% e 50%, restaurando o que sobrou. Se chegar ou passar de 2°C, a previsão é que a gente perca entre 90% e 99% dos recifes de coral no mundo.”
Tanto o relatório do IPCC quanto os especialistas ouvidos pelo Rampas apontaram a redução das emissões de gases estufa como a principal solução para impedir o branqueamento dos corais.
O professor David Zee defendeu também o investimento em recursos energéticos renováveis, como a energia eólica, solar e o hidrogênio verde. Já a bióloga Raquel Peixoto salientou também a necessidade de mitigar impactos locais com a criação de áreas de proteção, redução da sobrepesca (pesca excessiva) e a restauração ativa dos corais, objeto de sua pesquisa na Kaust. Outra alternativa destacada pela professora é a criação de corais: “É possível pegar pedacinhos de uma colônia de corais no mar, em torno de 10% a 20%, e colocar em uma espécie de fazenda de coral. Lá, eles crescem muito mais rápido do que na colônia: 5 a 10 fragmentos podem se tornar 5 colônias, que são levadas para o mar”, explica Peixoto.
Ainda que o ser humano consiga zerar ou pelo menos reduzir as emissões dos gases de efeito estufa nos próximos anos, o impacto sobre a vida marinha não acabaria de uma hora para outra. Peixoto salienta que as algas podem retornar ao coral caso o aquecimento acabe, mas elas podem encontrar o animal já morto devido à demora da reversão do quadro. Por isso a necessidade de tomar medidas efetivas o mais rápido possível porque, como afirmou o professor Zee, nós não vivemos sozinhos no planeta.
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