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Foto do escritorBeatriz Araujo

O destino dos eletrônicos que você não usa mais

No RJ, startup de logística desenvolve inúmeras ações voltadas para o descarte social e ambientalmente responsável de resíduos eletrônicos


Galpão da Circoola no Rio de Janeiro - Foto: Circoola

Com certeza você deve ter em algum lugar na sua casa um celular que não usa mais, cabos e carregadores que não funcionam ou um computador que deixou de lado quando adquiriu um novo modelo. Se para muitos de nós esses aparelhos não têm mais função, para a Circoola, startup de logística reversa de equipamentos eletrônicos sediada na cidade do Rio de Janeiro, tais equipamentos constituem uma oportunidade para promover a economia circular através de soluções sustentáveis.


“Percebemos que faltava conhecimento sobre o descarte correto desses resíduos e as pessoas que sabiam de pontos de coleta não tinham disponibilidade para ir até um local”, revelam Lucas Palazzo, diretor de operações, e Bruna Mendes, diretora de logística da Circoola. A partir desse cenário, a empresa desenvolveu um sistema de agendamentos online e rotas de coleta domiciliar gratuitas que facilitam o descarte adequado de eletrônicos sem que as pessoas precisem sair de casa. 


É no galpão da Circoola, localizado em Bonsucesso, Zona Norte do Rio, que acontece a triagem dos equipamentos coletados. Aqueles com potencial de recondicionamento são enviados para o setor técnico, onde são feitas reparações para que os itens voltem ao uso. “Recentemente, doamos notebooks recondicionados para a Fundação Amazônia Sustentável, em um projeto com a MJV Technology & Innovation que levou capacitação a jovens ribeirinhos recém-formados no ensino médio", conta Palazzo. 


Além das doações, a Circoola também implementa ações de educação ambiental através de campanhas desenvolvidas junto às escolas e universidades. A ação com os Escoteiros do Rio de Janeiro, realizada em maio deste ano no Aterro do Flamengo, conhecida como “Grande Jogo Regional”, resultou na coleta de 1,2 tonelada de resíduos eletrônicos em apenas um dia.


Ação de descarte de eletrônicos do Circoola junto aos Escoteiros do Rio de Janeiro em maio de 2024 - Imagem: Circoola

Segundo o relatório Global E-waste Monitor, divulgado pela UNITAR (Instituto das Nações Unidas para Formação e Pesquisa), a geração de resíduos eletrônicos está aumentando cinco vezes mais rápido do que a sua reciclagem em todo o mundo. Como exemplo, em 2022 foram gerados cerca de 62 milhões de toneladas desses resíduos, sendo o Brasil responsável por 2,4 milhões de toneladas desse total. 


Inúmeros impactos 

Aparelhos como celulares, tablets, televisores, eletrodomésticos, equipamentos industriais e médicos contém substâncias tóxicas, tais como chumbo, mercúrio e cádmio, além de materiais não biodegradáveis. Lúcia Helena Xavier, pesquisadora titular do Centro de Tecnologia Mineral (CETEM), explica que, quando descartados em lixeiras comuns, os eletrônicos podem causar a poluição da água e do solo. "Se ele for aberto ou manipulado sem os devidos cuidados, pode liberar substâncias tóxicas", ressalta. Além disso, a exposição de pessoas a esses elementos têm o potencial de causar problemas de saúde como doenças respiratórias, neurológicas e até câncer.


O ritmo crescente da produção desses equipamentos, cada vez mais modernos e menos duráveis, é mais um elemento a agravar os impactos ambientais relacionados ao descarte dos aparelhos eletrônicos. A pesquisa anual da FGVcia sobre o Mercado Brasileiro de TI e Uso nas Empresas revelou que, entre 2023 e o primeiro semestre de 2024, o número total de dispositivos eletroeletrônicos em uso no Brasil cresceu de 464 milhões para 480 milhões, representando um aumento de 3,4%. Desse total, os smartphones representam 258 milhões, uma média de 1,2 aparelhos por habitante.


Base ativa (milhões) de computadores em uso no Brasil nos últimos 20 anos - Fonte: FGVcia

O aumento do uso desses dispositivos levanta questões importantes sobre a responsabilidade ambiental dos consumidores. "Se os consumidores, no momento da compra, tivessem consciência da responsabilidade que eles têm para além do econômico, isso seria uma tranquilidade a um nível global. O poder que o consumidor tem de compra é muito menor do que a responsabilidade ambiental que ele tem, e isso ainda não foi transmitido." conta Lúcia Helena.


A pesquisadora explica que a emissão de carbono durante o processo de fabricação  de aparelhos eletrônicos é comprovadamente maior do que aquela gerada ao longo de sua vida útil. Isso se deve à cadeia de suprimentos, associadas à extração, produção e transporte de matérias-primas que compõem esses equipamentos. "As pessoas tendem a achar que um modelo mais novo, mais eficiente, é o que vai solucionar as questões. Elas não pensam em emissão, em consumo energético, pensam apenas em ter um equipamento de maior capacidade tecnológica. O consumidor precisa estar consciente dos impactos disso para o mundo como um todo. É benéfico para mim, mas pode ter impacto para os que estão ao redor.”, destaca.


Para lidar com a gestão de resíduos, o país conta com a Lei 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e o Decreto 10.936/2022, ambos focados em definir responsabilidades sobre o descarte de resíduos em geral. O Decreto 10.240/2020, por sua vez, estabelece um sistema de logística reversa de produtos eletroeletrônicos, atribuindo deveres a todos os agentes da cadeia produtiva. 


A logística reversa consiste no fluxo inverso dos produtos após o consumo, visando à coleta, tratamento e destinação adequada dos resíduos. No caso de eletrônicos, isso envolve recolher aparelhos como celulares, computadores e eletrodomésticos em desuso, além de outros resíduos, como pilhas, baterias, lâmpadas e embalagens. A professora Ana Ghislane van Elk, do Departamento de Engenharia Sanitária e Meio Ambiente (DESMA) da UERJ, destaca que o processo é um mecanismo fundamental na gestão de resíduos eletrônicos, pois permite o retorno desses materiais ao ciclo produtivo, mitigando a contaminação ambiental por elementos tóxicos presentes neles e promovendo a reutilização de recursos que anteriormente seriam descartados como lixo.


Empresas que não cumprem as exigências estabelecidas pela PNRS podem sofrer penalidades como multas, responsabilização civil por danos ambientais, dificuldades para renovação de licenças ambientais e impactos negativos na reputação. Ana Ghislane defende que para lidar com o problema “as indústrias precisam se engajar mais no processo de reaproveitamento e reciclagem de eletrônicos e devem ser responsáveis pelo seu retorno ao ciclo produtivo”.


A pesquisa "5 perguntas em 5 minutos", conduzida pelo grupo de pesquisa R3MINARE do Centro de Tecnologia Mineral (CETEM), revelou que mais de 80% dos consumidores que têm equipamentos eletroeletrônicos em casa não sabem onde descartá-los corretamente. Foi pensando nisso que os pesquisadores do CETEM, em parceria com o Centro de Tecnologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CT-UFRJ) e com o Instituto Estadual do Ambiente (INEA), desenvolveram o Manual para a Destinação de Resíduos Eletroeletrônicos, que já conta com três edições publicadas no Rio de Janeiro. O documento traz informações precisas sobre como e onde descartar adequadamente esses resíduos na cidade do Rio de Janeiro. 


Prolongar para sustentar

Às vezes, uma pequena manutenção, a troca de uma peça componente ou uma simples limpeza pode significar um destino diferente para um eletroeletrônico. Prolongar a vida útil desses objetos está entre as iniciativas para uma gestão mais sustentável.


Criado pelo governo federal, os CRCs (Centros de Recondicionamento de Computadores) são espaços físicos adaptados para o recondicionamento de equipamentos eletroeletrônicos, tratamento de resíduos eletroeletrônicos e para a realização de cursos e oficinas. O programa visa promover a sustentabilidade e a inclusão digital na gestão de resíduos. Os centros recebem equipamentos de órgãos públicos federais e até de pessoas físicas, realizam a manutenção necessária para que esses itens voltem a funcionar e os direcionam para aqueles que não têm acesso a esses dispositivos. Através do portal gov.br, organizações civis sem fins lucrativos podem solicitar esses computadores. Ao final de sua vida útil, os equipamentos reparados são destinados de forma ambientalmente adequada.


Recondicionamento de aparelhos e prolongamento da vida útil é uma das soluções para a gestão de resíduos eletrônicos no país - Foto: Agência Brasil

Quando descartados da maneira correta, os resíduos eletrônicos têm o potencial de retornar à cadeia de valor. Em locais como o galpão da Circoola no Rio de Janeiro e nos CRCs as peças e equipamentos eletrônicos terão um descarte ambientalmente responsável, além de fortalecerem políticas voltadas para a economia circular e a inclusão digital.


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