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Foto do escritorManoela Oliveira

ONG combate a pobreza menstrual na Zona Norte do Rio de Janeiro

Instituto Girl Up Elza Soares distribui absorventes de graça e oferece aulas de educação menstrual



Campanha de doação de absorventes de pano. (Foto: Acervo pessoal da Girl Up Elza Soares)

Você já se sentiu constrangida por lidar com questões de higiene pessoal? Ou deixou de comprar produtos de cuidado íntimo por falta de dinheiro? Perguntas assim fazem parte da realidade de muitas pessoas que enfrentam a pobreza menstrual - a falta de acesso a produtos, infraestrutura e informações para conviver com a menstruação.  


Fundada em 2019, a Girl Up Elza Soares atua na Zona Norte do Rio, ajudando jovens a lidar com os ciclos menstruais. A organização arrecada absorventes para doação e promove aulas de educação menstrual em escolas da região. 


Em setembro deste ano, a Girl Up esteve na Escola Municipal Engenheiro Roberto Magno de Carvalho, em Pilares, Zona Norte do Rio, para uma ação com alunos do 6º ao 9º ano. Os estudantes tiraram dúvidas sobre o impacto do uso de absorventes descartáveis, discutindo tanto a importância da saúde menstrual quanto os efeitos ambientais desses produtos


Gabriela Machado, estudante de 21 anos e cofundadora do projeto, afirmou que, na campanha de arrecadação #AbsorventeUrgente realizada no ano passado, foram coletados 1.664 absorventes. “Aproveitamos a entrega física do absorvente para conversar sobre saúde feminina e menstrual”, disse ao Rampas. Segundo ela, é preciso falar mais abertamente sobre a menstruação para conseguir resolver os estigmas que a cercam.



Gabriela Machado, cofundadora da Girl Up Elza Soares. (Foto: Acervo pessoal da Girl Up Elza Soares)

A pobreza menstrual faz com que muitos jovens recorram a soluções improvisadas para substituir o absorvente, utilizando papel higiênico, miolo de pão, jornais, meias, sacolas plásticas, roupas velhas, algodão e filtro de café. Essa é a realidade de cerca de 19% dos jovens e adolescentes que menstruam no Brasil, devido à falta de recursos para comprar absorventes. Além disso, aproximadamente 77% relatam sentir vergonha em espaços públicos ou escolas durante a menstruação, mostra pesquisa realizada pelo Unicef e pela da Viração Educomunicação.


A utilização de produtos inadequados evidencia não apenas a limitação no acesso a produtos básicos de higiene, mas também as dificuldades enfrentadas por meninas e mulheres em aprender sobre a menstruação e o ciclo menstrual. É o que afirma Adriana Lenho, professora da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e especialista em enfermagem da mulher e obstetrícia social.


A Girl Up Elza Soares lutou pela aprovação da Lei 8924/2020, que garante a inclusão de absorventes, fraldas descartáveis infantis e geriátricas nas cestas básicas do Rio de Janeiro. Gabriela afirmou que, ao perceber a falta desses itens nas cestas básicas, especialmente durante a pandemia, a organização buscou apoio de políticos, e o deputado Renan Ferreirinha (PSD) conseguiu levar a proposta para votação, promulgada pelo ex-governador Wilson Witzel (PMB).


O luxo inacessível dos absorventes 


Desde a primeira menstruação até a menopausa, as mulheres menstruam uma média de 450 vezes ao longo da vida. Com isso, estima-se que aproximadamente 10.000 absorventes sejam utilizados durante o período reprodutivo. Considerando que o preço médio de um absorvente é de R$ 0,60, seriam necessários cerca de R$ 6 mil para cobrir todos os custos relacionados ao ciclo menstrual. Esses dados são parte da pesquisa da ONG Fluxo sem Tabu. 


Para as mulheres que fazem parte dos 5% mais pobres no Brasil, o desafio é ainda maior. Elas precisariam trabalhar até quatro anos para conseguir arcar com os absorventes descartáveis necessários ao longo de suas vidas, segundo o relatório “Livre para menstruar”. Esse cenário agrava a pobreza menstrual e pode levar a consequências graves para a saúde, como explica a professora Adriana Lenho. 


Segundo ela, usar itens inadequados  no lugar dos absorventes pode predispor as mulheres a infecções genitais, devido à falta de higiene adequada. Ela destaca que a ausência de saneamento básico, como esgoto e água encanada, agrava ainda mais a pobreza menstrual, comprometendo as condições mínimas de higiene. Um levantamento do Trata Brasil revela que 5,5 milhões de pessoas no país vivem em locais sem acesso a um banheiro, perpetuando o uso de materiais inadequados, como jornais e sacos plásticos, durante a menstruação.


“A pobreza menstrual fere a dignidade humana”, enfatiza Adriana Lenho. De acordo com ela, esse problema afeta diretamente a saúde mental, gerando constrangimento que leva muitas pessoas a evitarem até mesmo buscar ajuda médica.


Para combater os estigmas em torno da menstruação e incentivar as pessoas a procurarem apoio, a Girl Up Elza Soares visa manter um diálogo constante sobre questões de saúde, conforme relata a cofundadora Gabriela. “Precisamos encontrar uma maneira de conversar com todos, abordando tanto os meninos quanto as mulheres que acabaram de menstruar e aquelas que estão começando a menstruar”, ressalta. 


As farmácias populares oferecem absorventes gratuitamente para pessoas em situação de vulnerabilidade social extrema. Essa iniciativa faz parte do programa Dignidade Menstrual, criado pelo governo federal para combater a pobreza menstrual. No Rio de Janeiro, existem cerca de 2.000 farmácias populares que realizam a distribuição dos itens de higiene menstrual, com a maioria delas concentrada na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro.



Distribuição de farmácias populares na cidade do Rio de Janeiro. (Foto: Reprodução de Manoela Oliveira, com dados do Ministério da Saúde)

O programa oferece absorventes para aqueles que estão em situação de rua, ganham até meio salário mínimo e são estudantes de escola pública, explica Renata Reis, coordenadora-geral de Atenção à Saúde das Mulheres do Ministério da Saúde. É preciso apresentar um documento oficial com foto e uma autorização do programa Dignidade Menstrual disponibilizada pelo SUS Digital. As restrições incluem a necessidade de representantes legais para menores de 16 anos e a quantidade máxima de 40 absorventes em um período de dois ciclos menstruais, isto é, 56 dias. 


A Dignidade Menstrual também promove ações de educação menstrual, focando no debate sobre os estigmas relacionados ao fluxo menstrual e na prevenção de doenças e infecções. Para Renata, é fundamental investir em um diálogo permanente para derrubar barreiras e estimular o autoconhecimento, conscientizando as pessoas sobre a importância do cuidado com a saúde menstrual.

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